De há muito que eu percebo
em mim uma sensibilidade mórbida e acentuada , de maneira que frequentemente
noto coisas que as pessoas não suspeitam . O sentido da visão
, especialmente , é em mim bastante aguçado sob certas condições
na penumbra , em ambiente sombrio ou de trevas , desde que não seja
a escuridão total . Já em criança fui muitas vezes
advertido por meus pais e tios porque , no mato ou em qualquer lugar mais
ermo , ou até na cidade , eu via formas estranhas e assustadoras
, como morcegos com faces humanas (porém horripilantes) cruzando
os ares , ou pássaros com estranhas flamas no olhar , empoleirados
em galhos altos e protegidos pelas sombras da noite . Sim , por via de
regra , o horrível e medonho ! O que as pessoas não crêem
e nem querem que exista ...
Nos últimos tempos passei
a ter intensas visões dentro do metrô do Rio de Janeiro .
Sentado junto à vidraça , olhando para o exterior , quando
a composição se move entre as estações , célebre
. E o que vejo é abominável ! Você já deve ter
reparado que , nas estações , o piso prossegue pelos túneis
escuros , por onde é vetada a travessia de pedestres . Certamente
que funcionários do próprio metrô por lá podem
circular , até porque existem instalações além
da área aberta ao público . Desconfio , porém , que
trechos existem , mais para o meio dos percursos entre as estações
, por onde ninguém normalmente circula , já que não
teria ali o que fazer . Nesses trechos mais escuros especialmente entre
as estações sequenciais mais afastadas entre si , é
que eu enxergo --encostando-me ao vidro do trem -- os monstros infames
que aí habitam , sem que a população que caminha na
superfície , ao
menos desconfie .
Às vezes são seres
bípedes , horrendos , de negras asas de quiróptero que agitam
no ar viciado do túnel , enquanto seus olhos vermelhos e perversos
fitam a composição que passa , e parecem mesmo me olhar de
relance , como se adivinhassem que eu vejo , enquanto seus aguçados
caninos refletem alguma luz de origem desconhecida .
Quando a balduína para entre
as estações, como às vezes, faz perto da Saens Peña,
posso observar com mais atenção, embora tomando cuidado para
que as outras pessoas não me percebam excitado ou agitado. Vejo
muitas vezes criaturas execráveis, com patas e escamas reptilianas,
estendendo suas línguas bífidas ameaçadoras em direção
ao metrô. Há também seres que desafiam a descrição,
que parecem brotados do granito das paredes, como se fossem apavorantes
pedras movediças, abrindo goelas imensas. Ou ainda, ao Largo do
Machado, agitando o punho fechado na minha direção e atirando-me
com expressão feroz alguma ofensa obscena que eu não podia
ouvir...
Quando você passa na estação
Afonso Pena, pode reparar nos painéis e no extintor pendurados logo
no início. Pois pouco antes disso eu vi serpentes horripilantes
subindo na pedra como lacraias. Entre as estações Estácio
e Praça Onze ( no lado esquerdo do trem, mas olhando para trás,
por causa da posição do banco ) você pode enxergar
o túnel de ventilação, que chega até na rua.
Uma estranha mão negra é vislumbrada saindo da penumbra.
Não se consegue ver mais nada.
Entre a Praça Onze e a Central
vejo pássaros de fogo, com dentes, esvoaçando no túnel
gradeado. Mais adiante, um alojamento de funcionários do metrô,
a poucos passos do sobrenatural. E eles nada percebem! Ou será que
percebem mas se calam?
Olho o mapa da cidade na Estação
Central. Corremos em direção à parada conhecida como
Presidente Vargas. A distância é pequena. Dá pra ver
um banheiro, já fora da grande Estação Central
( não há banheiros para o público no metrô -
e os empregados já ficam na parte interditada ), poucas lúzes
de néon, que iluminam vagamente uns monstros vegetais, a chapa de
interdição e o corredor, que você deixa para trás
ao chegar em Presidente Vargas.
Indo para a Estação
Uruguaiana, vejo buracos quadrados onde rastejam vermes asquerosos. Numa
das pilastras de cimento, agarrado com as ventosas das patas e da cabeça
para baixo, um pterodáctilo ou coisa parecida. Estamos na Estação
Carioca e eu presto atenção no circuito fechado de TV e nos
relógios. Vejo funcionários já nas partes escuras,
logo antes e logo depois da estação Cinelândia.