Espectro
                                            por José Mojica Marins

    Ele deveria ter notado. Se não fosse pelo seu sexto sentido, o cheiro nauseabundo serviria de alerta de que algo estava errado. Mas ele foi em frente, dominado pela bebida que entorpecia todos os seus sentidos.
    O fato de sentir uma coisa viscosa, ao ligar o interruptor da luz, não o impressionou. Ele deveria ter desconfiado daquele fedor forte que agrediu seu nariz, mas ele estava anestesiado pelo álcool, e não se deu conta. Como se estivesse em outro lugar, ele ouviu aquele murmúrio chamando pelo seu nome, mas ele não se deu conta. De repente, a luz se apaga, e ele sente que algo esta presente naquela sala, o que era ele não saberia dizer. Algo começa a brilhar na escuridão, como se
fossem duas brasas. Ele estende a mão em direção àquela luz, e recua horrorizado, o que havia tocado era viscoso e mal cheiroso! Ele acende seu isqueiro e grita de terror! À sua frente estava um espectro, algo que já havia sido humano e agora era uma sórdida imagem de um corpo em adiantado estado de putrefação. Ele não consegue se mover, está paralisado pelo álcool e pelo terror. O espectro movimenta o que restou de sua boca, mas apenas golfadas de pús dali saem. A lastimável figura lhe aponta o quarto de dormir, é como se quisesse que ele para lá se dirigisse. Aos tropeços, o bêbado para lá se dirige. Ao abrir a porta, um cheiro insuportável toma conta de tudo! Ali, na cama, estava um corpo apodrecido, um cadáver de alguém que havia morrido a muito tempo atrás. Ao observar melhor, ele começa a distinguir outros vultos ao redor do leito e, para sua surpresa, os identifica como amigos que ele já não via a certo tempo. Eram velhos companheiros de bebedeira, que haviam desaparecido ao longo do tempo. Ao seu lado, o espectro lhe indicava que ele deveria se aproximar daquela cama,
e ele assim o fez. Dava para se notar a intensa movimentação dos vermes sobre aquele corpo, disputando os pedaços de carne apodrecida que ainda restavam sobre o esqueleto. Foi aí que ele se deu conta! Tudo ficou mais claro, e a bebedeira passou. Ele reconheceu as roupas que embrulhavam aquele corpo mal cheiroso, e o dente de ouro naquela boca           escancarada, que mais parecia um sorriso dos infernos acabou com suas dúvidas. Era dele o corpo que ali apodrecia, resultado de um tiro nas têmporas. Ele havia se suicidado!